«Um ser nasce sendo-lhe dado um nome próprio, ao qual acrescem, respectivamente, o apelido do pai de sua mãe e do seu próprio pai. é a via masculina.
Depois ao longo da vida (...) fica o apelido do pai,(...) É o nome da mãe que se perde.
Chegando à vida profissional, já só este resumo nominal é conhecido.
Mas se se nasce mulher e o casamento acontece, começa a barafunda.De facto,ao seu nome vai acrescentar, ainda pela via masculina, o apelido do pai do marido. Surge, então,uma nova vida e inaugura-se uma etapa de progressivo esquecimento do nome que, durante cerca de vinte anos , acabou por ser nosso para, por um acto de magia, se nascer de novo.
É-se, a partir daí, conhecida, para todos os efeitos, como a «senhora de»...( a sequência é, para fins sociais, o nome completo do marido, e para fins profissionais,ou outros, o seu apelido.)
Com o rodar dos anos, se estes trazem a consolidação do matrimónio, passa-se mesmo a ser, apenas, a «mulher do». Ou seja, por um golpe do acaso, perdem-se as origens e ganham-se passados diferentes.
Porém, se o fluir dos anos trouxer um divórcio, a situação complica-se porque, tendo perdido as origens do passado e, tendo-se desfeito o presente, a pobre de Cristo ver-se-à privada de identificação real. inicia-se então, uma nova fase, já se não é nem a senhora ex- qualquer coisa.Temos de convir não ser agradável apresentarmo-nos, por exemplo, telefonicamente a alguém- que, nos conheceu com um determinado apelido de casada- com um nome que, embora tendo sido sempre nosso, o interlocutor desconhece. Vem então, o infalível esclarecimento: daqui fala a ex-mulher do, Ah! Finalmente do lado de lá faz-se luz, e a conversa pode prosseguir tranquilamente.
Um nome do solteiro leva, para a mulher, anos e anos a recuperar. Porém, se quiser o acaso que a experiência matrimonial se repita, sem que se tenha acautelado a recusa da concomitante herança nominativa, a confusão que se gera é total.
São os filhos que, de repente, se vêem filhos de nova mãe à qual deixam de estar ligados pelo nome: São os amigos que já não sabem com quem falam: são os computadores dos bancos com contas antigas a recusar o conhecimento da nova velha titular...
Mas o pior está para vir. Quanto tudo parece, enfim, estar esclarecido com a estabilidade da situação mais recente, acontece o inevitável os filhos crescem e são eles portadores de um nome que, por vezes, se torna conhecido.
Aqui o caso é fatal! Passa-se a ser a « senhora de», a mulher do, a eventual «ex-mulher do», para uma nova posição escatológica, que é a «mãe de»!
Manda o bom-senso que, nesta altura, se diga «alto»!
De facto, já é tempo das mulheres serem o que são, por si e não pelos que estão, familiarmente, ligados.
É tempo, também, de os homens deste planeta se não sentirem ofendidos se a opção da sua mulher não for a de ser a «senhora de»...»
Do livro: " Bocados de Nós" ( Drª Helena Sacadura Cabral)
Nota:Quando li este livro, há mais de um ano, fiquei encantada com este texto, a mim diz-me muito...Resolvi copiá-lo e guardá-lo numa pasta. Hoje, perante esta noticia: http://aeiou.expresso.pt/usar-o-nome-do-marido-prejudica-as-mulheres=f578343 resolvi colocar a copia do texto neste blogue, que é público. Desconheço se estou a cometer alguma ilegalidade, mas, se estiver...bem...veremos. Agora não tenho tempo para averiguar.Fica assim.Afinal, hoje é o dia do livro...